Sou tímido, sabia?

Falar em público é um dos maiores medos do ser humano!

Para muitos, dá mais medo falar com um grupo de 15 pessoas do que ficar sem dinheiro ou mesmo ter de encarar uma cobra venenosa.

Eu também sou tímido, sabia? Isso mesmo, eu Fábio Lins, ator, comediante, apresentador, no fundo no fundo, sou tímido. Eu aprendi a não ser. Já me apresentei para plateias com 10 mil pessoas e minha família nunca iria imaginar uma coisa dessas quando olhavam pra mim nos meus 11 anos de idade. Era um “bicho do mato”, mas ainda assim consegui.

Um dos caminhos que me ajudou a superar a timidez era a capacidade de tirar o foco de mim e colocar no outro.

Dar total atenção para as pessoas ao meu redor, fazendo com que elas se sintam confortáveis, me colocar de fato interessado nelas e nas suas questões. Isso eu aprendi com cursos de improviso, onde sempre estamos jogando com o foco nos parceiros.

No auge da minha timidez lembro de me sentir exposto, como se não gostasse de mim mesmo em frente ao outros, como se os outros esperassem algo a mais de mim, algo que eu não saberia dar, ficava realmente sem jeito, me sentindo julgado.

Uma vez que eu tirasse meu ego da frente e percebesse que não era o único ali e nem o centro das atenções e justamente direcionasse a minha atenção para alguém, tudo ficava mais suave. Estar interessado nas pessoas te camufla, além de ser um lindo exercício, ainda mais nos dias de hoje, onde todos querem falar e poucos estão ouvindo.

Ajuda a pensar também que não sou tão importante para os outros quanto eles mesmos, cada um tem sua vida e seus problemas, sou apenas um coadjuvante nos filmes deles.

No palco, por incrível que pareça, isso não é tão diferente. Se você subir no palco realmente interessado em alguém ou alguma coisa, você se tornará mais interessante.

Ser interessante é estar interessado.

Experimente deixar seus pensamentos quanto a você mesmo de lado, tudo que você acha que os outros podem vir a pensar, os julgamentos, a sua roupa, se você é bom ou não, esqueça você. E foque no que te interessa.

Todos estão para te ver, porém você está para direcionar o olhar deles para outra coisa.

Por exemplo, se for escolhido para ler um trecho da bíblia na missa, ou se for sua vez de apresentar um trabalho em frente a turma ou mesmo se precisa apresentar um produto novo para a diretoria na empresa. Se coloque de tal maneira a ser o caminho e não o final.

Se torne o caminho para as palavras da bíblia, para o trabalho escolar ou para o produto novo. Se você estiver de fato interessado nisso, o foco das pessoas também irá pra lá.

Já observou gatos ou cachorros se preparando para dar um bote? Eles colocam foco total naquilo que querem e isso faz com que nós, nos interessemos imediatamente por eles, ficamos olhando um ser que está totalmente focado em realizar aquela ação.

O comediante quando sobre no palco, está lá por que tem algo a dizer, ele tem um foco, algum assunto lhe interessa e estar interessado faz com que a plateia cole nele.

Se estiver ali preocupado demais consigo mesmo, colocando o ego na frente, querendo parecer algo que não é, logo o público perde o interesse. Experimente se interessar por algo fora de você mesmo.

Abraços,

Fábio Lins

PAPO COM GRINGO

 

Eu estive em Portugal esse ano, em um festival Internacional de Comédia e foi demais! É muito legal porque tinha gente do mundo todo, Inglaterra, Letônia, Argentina, Itália. E fiquei amigo da galera. No hotel o cara da Letônia mostrando fotos do país dele! Tudo lindo maravilhoso! Cheio de castelo, cheio de neve, o cara é vizinho da Fronzen!

 

E o cara mó brother, bonitão, parecia o Thor e todo empolgado ele falava, vem pra minha casa, fica lá! E eu pensando mano, eu tenho uma casa na Letônia! Na Letônia! Eu vou pra Letônia!!! Eu não sei onde fica, mas eu vou pra Letônia! Tenho um brother na Letônia! E ele, isso vem! E aí eu vou pro Brasil! Run… Melhor não! Ele chocado, como não??? (Por favor imaginar esse diálogo em inglês, onde uma pessoa fala muuuito bem e a outra pessoa sou eu) Melhor não cara, você não tá entendendo, não é um bom momento pra ir pro Brasil… Faz uns quinhentos anos que não é um bom momento. Depois de Cabral, caboul! E o cara da Inglaterra disse, mas eu também quero ir pro Brasil. Oh inglês, fica de boa mano, de boa, de nice, de nice. Vocês tem a rainha Elizabeth, a gente tem o rei Roberto Carlos! Aí o cara da Argentina falou, mas eu moro do lado e quero ir pro Brasil. Ah, mas você pode ir, você tá acostumado a viver na merda memo. Agora pros Europeu é muito chocante. E de novo o letão, não mas a gente quer ir pro Brasil! Beleza, beleza, beautiful, beautiful. Então é o seguinte, antes de ir pro Brasil, vocês tem que se preparar. Então pra vocês entenderem o Brasil vocês tem que no mínimo ver 3 filmes. Tropa de Elite, Cidade de Deus e Xuxa e o Duendes! No Tropa de Elite vocês vão aprender sobre corrupção e violência, com Cidade de Deus vocês vão aprender sobre racismo e violência, e com Xuxa e os Duendes… é só violência mesmo.

 

 

Seguinte, aqui na Europa, vocês pegam um avião de boa pra viajar, mas quando começa a decolar, o avião balança faz barulho, você pensa, mano, talvez eu morra hoje. Então, no Brasil a gente não sente isso pisando no avião decolando, a gente sente pisando na calçada! Porra, no Brasil é normal a gente sair com dinheiro pro ladrão, tem noção? Tem gente que anda com duas carteiras! Uma com menos dinheiro pra dar pro ladrão!

Ficou um clima meio chato, eles se olharam, perceberam que estavam sem suas carteiras e foram correndo atras de mim, mas eu já estava longe.

Ouvi dizer que eles foram pro Uruguai…

A CRUELDADE RECREATIVA

Piadas são ferramentas de comediantes e assim como um martelo é a ferramenta de um marceneiro, ele pode pregar um prego, e também pode esmagar um crânio. Enquanto comediante e professor, me interesso por olhar para quem nós estamos mirando as piadas, e se o alvo poderia rir da bala que voa em direção a própria cabeça. E se rir, seria um riso desesperado?

Mais um caso polêmico envolvendo a comédia Stand-Up e os limites do humor. Dessa vez com o Dihh Lopes. Uma figura que está em constante crescimento na cena nacional e internacional, produz muitas piadas e faz parte do maior grupo de comédia Stand-Up da história do Brasil, o 4 Amigos. Dihh tem inúmeras piadas e como todo comediante não agrada a todos e volta e meia testa os limites do humor. Não conheço todo material do Dihh mas já vi coisas muito interessantes em seus vídeos.

Faço comédia stand-up a 16 anos e me interesso por refletir sobre nossa profissão e isso tem se intensificado ainda mais quando comecei a dar oficinas de humor, improviso e Stand-Up em 2013 e isso gerou o Espaço da Comédia, minha escola de artes em São Paulo.

Os alunos me mostraram um trecho do show do senhor Lopes e fiquei refletindo sobre vários aspectos desse acontecimento.  Esse texto tem a pretensão de dissecar as piadas de forma técnica e provocar uma reflexão sobre as relações sociais do riso e relação do profissional do humor.

Vídeo do show

https://youtu.be/ONqReO2XL00

Dihh Lopes 2019 Instagram “que bom que ainda tem gente que prefere o riso acima de tudo… A comédia sempre vence”, “Esse vídeo não é recomendado pra você que é chato e confunde opinião com piada” .

O vídeo se trata de um show de comédia Stand-Up com o tema de humor obscuro onde a plateia estava sob aviso do teor do show. Uma parte das piadas eram sobre o atentado em uma escola na cidade de Suzano, onde 11 ficaram feridos, 8 pessoas morreram e os assassinos de acordo com a polícia suicidaram  ao final. Esse trecho que vou analisar.

Claramente essas piadas em outros contextos não iriam ser bem recebidas. Mesmo em outros shows de humor. Nesse  show específico existe uma plateia interessada em humor macabro e que conhece o artista que se apresenta sendo assim já está ciente do estilo de temas e provocações que interessam a esse artista, e ainda assim ela se choca e alguns momentos.

Piada 1.  “triste o atentado da escola de Suzano, quando eu vi a notícia a primeira coisa que eu pensei foi, caralho! Tem escola em Suzano?”  

Boas risadas com aplauso, tensão criada com o tema e alívio cômico com a resolução do raciocínio. O alvo da piada é o sistema de ensino brasileiro que em muitos lugares é precário, a plateia aplaude por concordar com essa ideia.

Piada 2, “Isso aí aconteceu também por culpa das crianças que não ouve a mãe né? Isso nunca ia acontecer comigo, eu sempre ouvi o conselho da minha mãe de não aceitar bala de estranho”.

Risadas médias  e comentários, clima  um pouco constrangedor. Alvo da piada são as crianças sendo colocadas como culpadas, em uma piada que retrata um tiroteio em uma escola,  onde o set up tem a frase “culpa é das crianças”  é muito difícil trazer o alívio cômico, e de fato o alívio não vem tanto através da estrutura da piada, vem mais através do constrangimento com o que está sendo dito, não existem risadas fortes e aplausos em comparação a piada anterior, que em geral significam aprovação e concordância com o argumento do humorista.

Piada 3,  “na escola de Suzano eles levam a sério né? O vivo ou morto, a brincadeira”. 

Risadas fracas e o comediante ficou meio sem graça, percebe que está em terreno perigoso. Risadas foram ainda menores, o alvo da piada são crianças que morrem. Mais uma vez constrangimento da plateia e risos nervosos. 

Piada 4, “a culpa não é minha, só to fazendo piada, a culpa é de Suzano, lugar perigoso pra caralho. É tão perigoso que deveria chamar, Suzano Von  Richthofen”. Risadas fortes e aplauso. O alvo da piada é a segurança pública precária, plateia concorda e aplaude. O trocadilho com a Suzane, uma criminosa conhecida, encaixa muito bem e a própria tragédia causada pela Suzane está no passado e já se deu tempo para cicatrizar a feriada, em muitos casos  comédia é tragédia mais tempo. A ideia da piada é associar a criminosa perigosa a uma cidade perigosa onde crimes são constantes, a piada funciona. 

A escolha da ordem das piadas foi bem feita para o ponto de vista de um comediante dando estrutura a um set cômico, piadas boas pra abrir e fechar o tema “Suzano” e piadas arriscadas no meio.

Intenção e contexto são bons itens para se observar nesses casos polêmicos do humor. Uma vez que esse vídeo vai para internet, a terra de ninguém, ele pode e vai ser manipulado editado e tirado do contexto,  o próprio comediante fala disso durante o show durante uma outra piada. Tirar coisas do contexto é algo que os próprios comediantes fazem com os diversos temas que manipulam para interesse de conseguir risadas. 

A intenção de acordo com o comediante é apenas fazer causar risos. Ele mesmo durante o show em uma piada diz que “a culpa não é minha, só estou fazendo piada, a culpa é de Suzano…”  E na abertura do vídeo colocou um texto dizendo “esse vídeo não é recomendado pra você que é chato e confunde opinião com piada”. Classificando que o único problema é confundir opinião e piada e quem não entende isso é chato. Acho que a questão é mais complexa.

Quando ele diz que a culpa das crianças terem morrido é delas mesmo por aceitar bala de estranhos e que nessa escola elas levam a sério a brincadeira “vivo ou morto”, para mim enquanto comediante a apreciador de comédia está claro que ele não concorda com essa ideia, é uma tentativa de distorção cômica através de uma associação com uma brincadeira de infância comum e uma frase popular. Porém para muitos na internet e pela própria reação da plateia, a piada não foi precisa no objetivo de alívio cômico, me parece que gerou também constrangimento. 

Quando o comediante se refere a Suzano, e diz que a culpa é de Suzano, por Suzano ser violenta não há precisão em definir o que é Suzano nesse contexto, me parece que a intenção se referia a segurança pública de Suzano. Falar o nome da cidade apenas abre margem para interpretação do que se define por Suzano. Parece que o atentado é culpa de todos os cidadãos e de um cidade e isso fere o orgulho da cidade e seus habitantes. Seria diferente se o alvo da piada fosse a segurança pública.

Imagino os atingidos pela tragédia assistindo esse show. E gostaria muito de saber se eles iriam dar risada. Se sim, a catarse estaria feita, se não,  apenas mais dor em uma ferida aberta. 

Essa piada tem um alvo, em parte dela o alvo é o sistema educacional e uma tentativa de tornar o alvo o sistema de segurança. Em outra parte o alvo são crianças mortas, vítimas de um atentado. O alvo não está nos terroristas, nem nos incentivadores do massacre que estavam na deep web ou mesmo na influência da cultura estadunidense armamentista que tem esse tipo de atentado com uma frequência assustadora em seu país.

O comediante Dihh Lopes defende que não se trata da sua opinião os comentários macabros que faz. E acredito mesmo não ser sua opinião enquanto cidadão. E isso não torna o comentário menos cruel.

A comédia Stand-Up anda nessa área cinzenta onde o cpf se mistura com drt, e nem existe drt de comediante, não é uma profissão oficinal, existem atores e palhaços regulamentados, mas por enquanto não existem comediantes de stand-up. Esse contexto faz com que muitas vezes a opinião e a piada se confundam para o público, até porque os comediantes não interpretam personagens e usam suas próprias roupas e seus próprios nomes. 

Então ele diz que não concorda com a ideia, mas entende que ela serve para chocar o público e a utiliza. Acredito que para maioria das pessoas incomodadas a questão não é sobre ser ou não ser sua opinião. Não é sobre a pessoa que diz acreditar naquilo. Se trata da crueldade de dizê-lo. 

Essa postura invoca um humor provocador e imaturo testando os limites sociais e liga um foda-se para o bom senso. Ela quer fazer barulho, e mostra uma frieza emocional. Não se trata de contestar o sistema ou mesmo rir da cara de terroristas. Na parte mais frágil da piada o comediante escolhe rir da vítima e não do criminoso. E isso que boa parte da sociedade refuta. 

 Se pensarmos no racismo que ainda hoje se usa como elemento recreativo podemos fazer um paralelo com essa piada do Dih. Uma vez que piadas racistas em geral se apoiam também na crueldade para obter o riso.

Uma piadas racistas em 1700 era vista com normalidade por aquela sociedade. Piadas racistas eram produzidas, propagadas e alimentadas por pessoas brancas que estavam no poder. Os filhos dos filhos dos filhos dessas pessoas em sua maioria ainda hoje são brancas e ainda estão no poder. O último país a abolir a escravidão de africanos negros ainda está despertando  para o fato de que não se deve diminuir ou ridicularizar alguém por sua cor. É uma luta constante e que mostra possibilidade de alternância ou equilíbrio de poder social uma vez que as comunidades negras ganharam mais dignidade e possibilidade de protesto através das redes sociais e de leis que tentam reparar erros históricos.

Creio que não se ri de alguém por aquilo que  é. Se ri de alguém por aquilo que faz. Rir de um negro por ele ser negro é crime. Rir de um homossexual por ser homossexual logo logo será oficializado como crime. E ainda assim existem piadas que se baseiam na crueldade de diminuir minorias. Em geral quem faz e propaga a piada? Os filhos dos filhos dos filhos dos filhos dos donos de escravos.  

A cada dia mais entendemos que não é certo fazer piada racista, pois engloba uma atitude criminosa de atraso civilizatório. São crueldades jogadas no ar que enfraquecem a consciência social e o espírito de suas vítimas.  

Definir humor macabro ou cruel como “humor negro” me parece reforçar uma ideia racista, onde o que é dado como negro é pior, pesado, cruel. E isso gera um outro grande debate. E sim, existem públicos para tudo quanto é tipo de humor, assim como existem pessoas com diferentes sensos de civilização e com diferentes entendimentos de mundo e de crueldade. Ainda hoje existem movimentos nazistas e ainda bem que também existem movimentos de consciência negra, lgbt, indígena etc. Então é fácil entender que sim, existem públicos para todos os tipos de piadas.

Agora é interessante também perceber que existem inúmeros tipos de risadas. O riso além de alívio é comunicação. Rimos mais em grupo do que sozinhos, através desse estranho som espontâneo dizemos algo.   

Damos risadas por diferentes motivos; para concordar com algo. E quando a plateia concorda muito em geral aplaude a ideia que a piada revelou, ela estava diante de seus olhos  o tempo todo mas até então não percebiam. 

Podemos rir  para discordar de algo, como quando achamos algo tão absurdo e fora de contexto que o riso vem como um alerta do cérebro dizendo “isso só pode ser mentira, não é possível”. Como quando eu ri horrores no 7×1 do Brasil e Alemanha, minha mãe ao meu lado bufava de raiva e gritava de desespero sem entender,  e eu ria pela mesma falta de compreensão. 

Podemos rir de felicidade, imagina que isso era o que os alemães estavam fazendo na Alemanha ao lembrar que perderam uma final pro Brasil anos atrás e agora estavam dando o troco na nossa própria casa.

Podemos rir para expressar constrangimento, o famoso riso nervoso. Um riso que é uma mini máscara social tentando amenizar uma situação desconfortável, um último apelo de simpatia que o organismo tenta criar através do riso. Esse mesmo riso em sua versão mais tranquila serve para expressar timidez. 

E podemos mesmo rir para expressar crueldade. Ao sair por cima em uma situação de vingança ou mesmo por falta de empatia, característica presente em psicopatas, que perdem ou nascem sem a habilidade de compaixão. É a risada cruel do trunfo do vilão.

E podemos até rir para revelar a dor. Eu mesmo quando faço tatuagem, no ápice da dor começo a rir de desespero ou começo a cantar. Me toquei disso na minha quarta tatuagem.

 Existem situações ainda mais graves que representam esse riso de dor. Há casos raraos de vilarejos em extrema miséria onde os habitantes sofreram de histeria coletiva e toda a vila não conseguia parar de rir, desmascarando a tragédia social daquela região, o verdadeiro riso de desespero. Me familiarizei mais com esses casos ao ler o livro THE HUMOR CODE do Peter Mcgraw e Joel Warner, fica a dica. 

Com tantas opções de risadas diferentes e se entendendo que existem sim plateias cruéis assim como comediantes cruéis, fica a provocação para meus colegas de profissão.

É possível servir muitos tipos de risadas, há um menu interessante de opções a disposição do cozinheiro. Enquanto profissional da comédia, qual prato você escolhe servir?